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Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá
Texto: Helder Queiroz
Contato: helder@mamiraua.org.br
A Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (RDSM) (Categoria
VI no sistema de classificação da IUCN)
está situada na confluência dos rios Solimões
e Japurá. Sua porção mais a leste
fica nas proximidades da cidade de Tefé, no Estado
do Amazonas. Esta é a maior reserva existente
dedicada exclusivamente a proteger a várzea amazônica.
Como é considerada uma área alagada de
importância internacional, ela é inscrita
como um sítio da Convenção Ramsar,
das Nações Unidas, que protege áreas
deste tipo em todo o mundo.
O alagamento sazonal do Rio Solimões causa uma
elevação do nível d'água
de 10 a 12 metros da estação seca para
a cheia, todos os anos. Esta incrível dinâmica
da água é causada pelas chuvas nas cabeceiras
dos rios da região, associadas ao degelo anual
do verão andino. Quando a alagação
do ano é excepcionalmente alta, virtualmente
toda a reserva, ou mais de um milhão de hectares,
fica submersa.
A enchente traz consigo uma gigantesca quantidade de
sedimentos dos sopés dos Andes, um enorme concentração
de nutrientes associadas às argilas em suspensão.
Este é o principal causador da enorme produtividade
das várzeas amazônicas, tanto nos sistemas
aquáticos quanto terrestres. Estas alagações,
e a conseqüente deposição anual dos
sedimentos define a geomorfologia da várzea,
a sua fauna e flora, a sua biogeografia e mesmo os seus
padrões de ocupação humana.
A geomorfologia característica de Mamirauá
permite a ocorrência de um grande número
de habitats aquáticos dentro da reserva. Estes
variam de habitats de água aberta como os rios
e os braços de rios (ou paranãs), canais
e lagos, até outros habitats não-perenes
como os baixios ou as florestas alagadas, e mesmo habitats
de muito curta existência como as poças
d'água nas praias de areia ou de lama.
As diferenças no tempo de alagamento devido
às variações do relevo da várzea
levam ao desenvolvimento de tipos de vegetação
neste ecossistema com distintas estrutura e composição.
Chavascais são formações alagadas
por mais de 4,5 metros de água durante cerca
de 5 a 6 meses todos os anos. São formações
esparsas, com muitos cipós e arbustos de espinhos,
e alto espaçamento entre as árvores.
Podem existir sub-tipos dominados por algumas espécies
de vegetais, como as aningas, as ciperáceas,
os carauaçuzeiros, as tanimbucas, etc. Os tipos
vegetacionais mais diversos são as Restingas,
alagadas por no máximo 4 meses ao ano, e por
até cerca de 2,5 metros de água. Estas
são formações florestadas altas,
com menor espaçamento entre as árvores,
com sub-bosque limpo e aspecto geral muito similar às
florestas de mata alta seca. Há também
tipos menos relevantes e restritos, como os cocais,
os campos alagados dominados por gramíneas, clareiras,
praias, etc.
A parte aquática da flora de Mamirauá
se sobrepõem consideravelmente com a flora terrestre,
como em outras partes da Amazônia. Ao menos em
tese, todas as plantas lenhosas da Reserva poderiam
ser consideradas macrófitas aquáticas,
já que toda a área é alagada por
longos períodos. Entretanto, se nos mantivermos
nos limites das definições mais clássicas,
mesmo assim a diversidade do grupo das macrófitas
aquáticas é relativamente alta em Mamirauá.
A fauna encontrada em Mamirauá apresenta um
alto grau de endemismo. As difíceis condições
criadas pelas enchentes prolongadas a cada ano por um
lado limita o número de espécies que consegue
sobreviver a tão dramática dinâmica,
mas por outro lado propicia o surgimento de adaptações
únicas que podem definir especiações
e endemismos neste ambiente. Há, também,
grupos taxonômicos particularmente distintos,
como os peixes, com uma fauna mais diversa que nas áreas
circundantes. A presença de importantes espécies
de vertebrados ameaçados de extinção
também é um fator relevante na fauna de
Mamirauá.
Boa parte destas espécies são exploradas
pelas populações amazônicas em muitos
locais, mas, em Mamirauá, elas continuam existindo
em níveis satisfatórios (com algumas poucas
exceções). Neste sentido, a Reserva cumpre
um papel de berçário para vários
recursos naturais que lá nascem e amadurecem
antes de partir para aqueles pontos externos onde serão
captados. As várzeas de Mamirauá funcionam
também como um grande depósito de nutrientes,
que são paulatinamente exportados às regiões
vizinhas por meio das mais distintas formas de carreamento.
A ocupação humana atual da área
da Reserva data do início do século XX.
Antes desta ocupação, a região
era habitada principalmente por vários grupos
nativos, com predominância Omágua, e poucos
assentamentos brancos. A população ameríndia
foi dizimada pelas guerras e doenças introduzidas
pela colonização, e os povos indígenas
remanescentes foram incorporados à sociedade
colonial numa miscigenação patrocinada
pelo Governo Português desde o século XVII.
Atualmente, mesmo as poucas comunidades indígenas
que vivem na região de Mamirauá apresentam
alto grau de miscigenação tanto cultural
quanto biológica.
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