Nº 390

Capa referente ao mês de Setembro/Outubro de 2004

SET / OUT - 2005

Ficha Técnica

Aguarelas do Comandante Sousa Machado

SUMÁRIO

Ponto ao Meio Dia

Reflectindo... Cidadania

A"Corte-Real" na Força de Reacção Rápida da Nato

Exercício NEOTAPON 05 

Cerimónia de Juramento de Bandeira e de Imposição de Boinas

Cerimónia de Inauguração do Novo Sistema de Projecção Astronómico

Uma Nova Etapa.  Uma Outra Porta para o Universo 

Viagens de Instrução

Homenagem ao Comandante Raúl de Sousa Machado

A Marinha de D. João III (5)

Jaime do Inso

Novo Vice-Presidente da Academia de Marinha

A  AORN Comemora dez anos de Existência

Setting  Sail

Ao correr da pena...

Notícias

Convívios

Histórias da Botica (42)

Trafalgar 200

Notícias Pessoais

Património Cultural

Tabela de Preços das Assinaturas

JAIME  DO  INSO

Episódios da História da Marinha e dos seus navios, na paz e na guerra, relatos de viagens marítimas e a descrição de terras longínquas e dos respectivos povos, constituem parte dos temas constantes no valioso acervo literário deixado por um significativo número de oficiais da Armada, dos quais, uns são amplamente citados, enquanto outros, não menos válidos, têm caído num quase esquecimento.

É sobre um oficial, hoje muito pouco lembrado, autor de uma extensa bibliografia e considerado, na sua época, uma referência para o conhecimento da presença portuguesa no Oriente, que este apontamento se refere.

O princípio do século XX vai encontrar Jaime Corrêa do Inso, nascido em 18 de Dezembro de 1880 na freguesia de Nossa Senhora da Graça, concelho de Niza e distrito de Portalegre, como aspirante de Marinha, cursando o 1º ano da Escola Naval.

Jaime do Inso - Guarda-Marinha.

Jaime do Inso - Guarda-Marinha.

A par da formação académica sucedem-se os embarques e em 1903 a sempre notória viagem de guarda-marinha, um dilatado período durante o qual eram aplicados no mar os conhecimentos técnicos adquiridos em terra. 

Assim, a bordo do transporte de tropas “África”, após a travessia do Mediterrâneo, visita Macau e regressa escalando portos de Moçambique, Angola e Cabo Verde.

Esta viagem de fim de curso irá despertar-lhe a paixão pelas coisas da China e tornar Macau o seu lugar de eleição.

Embarca em 1904 na canhoneira “Pátria”, navio marcante na sua carreira, de que, mais tarde, será comandante e sobre o qual publicará, em 1951, um artigo nos Anais de Marinha.

Em inícios de 1905 o navio passa a estar integrado na Divisão Naval do Atlântico Sul, com base em Luanda e posteriormente, durante cerca de nove meses, escala os principais portos do Brasil, como prova de reconhecimento à comunidade portuguesa, aí residente, que com as suas contribuições para a Subscrição Nacional de 1890, efectuada como resposta ao Ultimato Inglês, tinha possibilitado a construção, no Arsenal da Ribeira das Naus, da canhoneira. 

A canhoeira "Pátria" no Rio de Janeiro e a sua oficialidade, em 1906.

A canhoeira "Pátria" no Rio de Janeiro e a sua oficialidade, em 1906.

Foi a “Pátria” o primeiro e único navio de guerra nacional que subiu o Rio Amazonas e escalou o porto de Manaus. Após uma breve permanência em águas cabo-verdianas regressa à Metrópole, em meados de 1906, sendo então promovido a 2º tenente.

Continuam os seus embarques e retorna a Angola onde, durante um ano, exerce as funções de Encarregado do Depósito da Divisão Naval. Depois regressa aos navios e presta serviço no Corpo de Marinheiros.

Em 1909 inicia a colaboração nos Anais do Clube Militar Naval, a qual durará mais de meio século, com “Apontamentos sobre Movimentos Atmosféricos” em que determina as regras práticas para os navios evitarem ciclones e em 1910 publica “De Minimis... Deficiências diversas da Armada que devem ser remediadas: uniformes, material e legislação”, onde escreve: não será por demais que nos occupemos d’algumas pequenas coisas que representam deficiências que será bom remediar. Foi sempre um dos seus objectivos – Melhorar as coisas!

A canhoeira "Pátria" no Rio de Janeiro e a sua oficialidade, em 1906.

É instaurada a República e para o 2º tenente Jaime do Inso interrompido o período africano e restabelecidos os contactos com aquele Extremo-Oriente, que tanto o tinha cativado quando da viagem de guarda-marinha. Novamente a bordo da “Pátria”, em princípios de 1911, larga de urgência para reforçar a soberania de Portugal no distante Macau, que assistia, com preocupação, à queda do milenário Império Chinês e ao nascimento de uma então  titubeante República. Pouco foi o tempo de permanência em Macau já que a situação em Timor era quase desesperada, pois um dos mais poderosos chefes nativos tinha-se revoltado e o Governo local não dispunha de um mínimo de forças militares capazes de controlar a situação. A “Pátria” ruma a Sul aportando a Díli, em Fevereiro de 1912. Durante oito meses com a artilharia de bordo apoiou as forças terrestres e os seus marinheiros participaram em terra não só em várias acções de combate como também na defesa de centros populacionais, nomeadamente de Baucau com uma força de desembarque comandada por Jaime do Inso que é louvado pelo Comandante da Estação Naval de Macau devido à maneira zelosa e acertada como dirigiu a coluna da Marinha em Baucau durante as operações de Timor em 1912 e pelo Ministro das Colónias por motivo dos bons serviços prestados durante as operações em Baucau, de 29 de Junho a 25 de Julho de 1912 como comandante do destacamento da Marinha que guarneceu aquela vila.

CAPA do livro - Edições Cosmos com o título “Timor - 1912”. Capa do Livro - Cenas da Vida de Macau (Cadernos Coloniais).

Sobre esta comissão escreve, em 1912 e 13, “Em Socorro de Timor”, para os Anais do Clube, o seu único relato referente àquela terra que Wenceslau de Moraes tinha caracterizado como Natureza linda, misérias e febres, obra que será reeditada, em 1939, pelas Edições Cosmos com o título “Timor - 1912”. Neste extenso trabalho descreve pormenorizadamente a intervenção da “Pátria” na denominada Guerra do Manufai que considera a mais importante das nossas campanhas coloniais, exceptuando as do Gugunhana e dos Namarrais... e se esta passou despercebida na Metrópole muito mais despercebido foi o papel que a canhoneira “Pátria” ali desempenhou. 

Inicialmente no enclave do Oé-Cussi, enfrentando a sublevação de uma das etnias locais, depois na Costa Sul, em Betano, no apoio das forças terrestres, período em que o comandante do navio foi o capitão-tenente Gago Coutinho e por fim em Baucau com os seus marinheiros a garantir a segurança daquele que era o segundo núcleo mais importante do território. Valiosa e imprescindível foi a presença da “Pátria” num dos períodos mais críticos para o território, então governado pelo Capitão-tenente Filomeno da Câmara.

Três décadas depois, em 1942, dar-se-ia a ocupação japonesa que duraria até 45 e passado precisamente o mesmo espaço de tempo, em 1975, acontecia a invasão indonésia. Estranha e terrível esta periocidade!

 É de um realismo impressionante “Em Socorro de Timor”, a descrição da acção directa do navio e principalmente a actuação do seu pessoal em terra. Durante o século XX e antes da criação dos Fuzileiros, em 1961, muitas foram as acções das forças de desembarque das unidades navais cujos relatos estão dispersos por várias obras. Das intervenções mais notórias foi, logo a seguir à de Timor, a do pessoal do cruzador “Adamastor”, no rio Rovuma em 1916, durante a I Guerra Mundial depois, em 1925 e 26, a do cruzador “República” para proteger as comunidades portuguesas residentes em Cantão e Xangai, devido às manifestações raciais resultantes da guerra civil chinesa, em 1927, novamente em Xangai, para defender as feitorias ocidentais da cidade e finalmente a das guarnições das fragatas “Pacheco Pereira” e “Nuno Tristão” e dos patrulhas “S. Vicente” e “S. Tomé” que asseguraram a defesa das povoações de Ambriz e Ambrizete e reforçaram as forças terrestres em Cabinda, Landana e Sto. António do Zaire, em 1961,  na fase inicial da subversão em Angola. Um projecto interessante seria o de reunir todos estes escritos numa única colectânea dando assim a conhecer as “Histórias dos Marinheiros em Terra no Século XX”.

As recordações de Macau levam Jaime do Inso a publicar, ainda em 1912, nos Anais do Clube “Ecos de Macau. Guerra dos Piratas. A Batalha de Lantau” e a proferir na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1913, a conferência “Macau, a Jóia do Oriente”. Foram os seus dois primeiros trabalhos dos muitos que ao longo dos anos iria fazer sobre aquele diminuto enclave português incrustado na imensa China.

Terminada a comissão na “Pátria” presta serviço no Corpo de Marinheiros e na Divisão Naval de Instrução e Manobra, como oficial da guarnição do cruzador “São Gabriel”, a bordo do qual efectua a sua última viagem a Angola, de Setembro de 1914 a Abril do ano seguinte, ano em que é promovido 1º tenente. A Artilharia e especialmente a Balística constituirão uma área técnica da sua preferência e resultado de um estudo nesse âmbito publica, nos Anais do Clube, o artigo “Preliminares do Tiro”.

Jaime do Inso - Capitão-de-Fragata.

Jaime do Inso - Capitão-de-Fragata.

Segue-se um período de oito anos que desempenhará em terra: as funções de Ajudante do Corpo de Marinheiros; Chefe de uma Secção na Repartição da Majoria General da Armada e de instrutor na Escola Prática de Ar-tilharia Naval e a bordo: embarca na fragata ”D. Fernando II e Glória” e nos cruzadores “Adamastor”, no qual é Encarregado do Comando e no “Carvalho Araújo”, que como Oficial Imediato volta ao Brasil em 1922, quando este navio transportou o avião “Santa Cruz” com que Gago Coutinho e Sacadura Cabral completaram a 1ª Travesia Aérea do Atlântico Sul.

Entretanto, em 1919, ascende ao posto de capitão-tenente.

Como oficial subalterno tinha tido oportunidade de conhecer as colónias portuguesas de África, nomeadamente Angola onde cumprira uma comissão de um ano na respectiva Divisão Naval, as do Extremo-Oriente, que incluiu a participação na campanha militar de Timor, visitar os mais importantes portos do Brasil, embarcar nos principais navios da Esquadra e quando em serviço no Corpo de Marinheiros e na Majoria General da Armada, a antecessora do actual Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada, aperceber-se das questões ligadas ao Pessoal e à Chefia da Marinha.

Tinha vivido até então uma carreira rica em práticas e saberes, os  quais ia passando a escritos que mais tarde seriam publicados, constituindo testemunhos importantes para a construção da História. Infelizmente hoje, salvo raras e honrosas excepções, a escrita parece não constar dos hábitos dos Oficiais da Marinha.

Em meados de 1923 assume o cargo de Capitão do Porto de Vila-Real de Sto. António,  onde permanecerá durante dois anos.

Concluido o serviço no Algarve segue para Macau afim de assumir o comando da sua saudosa canhoneira “Pátria”, o que lhe permitiu durante mais de três anos aprofundar os conhecimentos sobre a China, que na ocasião enfrentava uma devastadora guerra civil. Nesse triénio o navio continuou a manter o fio do nosso prestigio e tradição maritíma em mares e rios do Extremo-Oriente, desempenhando várias missões de apoio às comunidades portuguesas locais, tendo Jaime do Inso, em 1927, sido agraciado pelo Rei de Espanha com a Cruz de 1ª Classe de Mérito Naval, pelos serviços prestados aos aviadores espanhóis que efectuavam o raid aéreo Madrid-Manila. Foi o seu último embarque num navio operacional e também a sua derradeira estadia no Extremo-Oriente.

Ao regressar a Lisboa, em meados de 1929, é portador de uma série de crónicas, relatos e contos que o tornarão, em breve, um dos mais conceituados escritores da História de Macau e da presença portuguesa na China. De sublinhar que até então sobre estes temas apenas Camilo Pessanha, professor no liceu de Macau e autor de “Clepsydra” , notável conjunto de poemas e também Wenceslau de Moraes eram autores de escritos com alguma divulgação em Portugal.

No principio dos anos trinta do século XX e após ter completado o período chinês, Jaime do Inso inicia o seu percurso como um homem ligado essencialmente à cultura, a faceta que mais o notabilizou. Até 1938 os seus embarques foram efectuados por períodos muito limitados, como Encarregado do Comando do cruzador “Vasco da Gama” e de Comandante da fragata “D. Fernando II e Glória”. Em terra prestou serviço no Comando Geral da Armada onde foi, durante um biénio, Defensor Oficioso junto do Tribunal da Marinha, exerceu funções de Oficial de Inspecção e fez parte de várias comissões encarregadas de estudar assuntos respeitantes ao Pessoal, cargos que comprovam as suas elevadas qualidades de carácter e insenção. 

O livro CHINA na edição normal e em encadernação artística. O livro CHINA na edição normal e em encadernação artística.

O livro CHINA na edição normal e em encadernação artística.

É durante a década de trinta que os seus artigos sobre Macau e a China começam a ser publicados em grande número no Boletim Geral da Colónias, no da Sociedade de Geo-grafia de Lisboa, no da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nas Edições Cosmos, Elite e Europa e nos Anais de Marinha, mantendo a sua colaboração habitual nos Anais do Clube Militar Naval.

Em 1932 o seu livro “A Caminho do Oriente”, das Edições Elite, é premiado no Concurso de Literatura Colonial e no ano seguinte, também nas mesmas Edições, é dada à estampa “Visões da China”, uma colectânea de artigos da sua autoria publicados em jornais da Metrópole, Brasil e Macau e onde transcreve uma série de cartas inéditas de Wenceslau de Mo-raes que este lhe tinha endereçado, desde 1913, quando Consul em  Kobe, até 1927 no exílio em Tokushima.

As Edições Europa publicam em 1936 o livro “China”, uma edição monumental e de luxo, em 12 tomos, com uma tiragem dedicada exclusivamente a assinantes, que obteve grande êxito e constitui um trabalho de referência sobre aquele país. Considerada a obra prima de Jaime do Inso refere-se às duas Chinas, a antiga e a moderna e a Macau, “A Jóia do Oriente”, no dizer do escritor, denominação que ficou para História. Logo no início da obra surge a seguinte definição: A China é uma esfinge que à nossa civilização perturba e fere. Antes de procurar-mos decifrá-la convém acentuar que há no Oriente – e portanto na China, qualquer coisa desconhecida e subtil – mal pode definir-se só se sente – que constitui como que a diferenciação fundamental entre dois mundos: o da Europa e o da Ásia. Quem teve o privilégio de conhecer aquelas paragens terá de concordar que, apesar de terem passado 70 anos, esta caracterização se mantem perfeitamente correcta.

Mas não foi só na escrita que Jaime do Inso se destacou, também a sua actividade foi distinta como representante da Marinha em várias exposições. Assim, foi louvado, em 1931, pelo Ministro da Marinha em virtude de ter sido nomeado para representar o Ministério da Marinha junto do Comissário da Exposição Colonial Portuguesa em Antuérpia e concorrido para que o nosso pais ali tivesse representação condigna e pela forma brilhante como coadjuvou o Comissário da referida exposição, valorizando e prestigiando, com o seu esforço, a pequena deputação nacional, concorrendo assim, para o bom nome e engradecimento do pais em terras estrangeiras.

 Nesse ano de 31 a sua “Pátria”, em Macau, era abatida ao Efectivo dos Navios da Armada e incorporada na marinha chinesa com o nome de “Fu-Yu”.

Chefiou igualmente a representação da Marinha na Semana das Colónias, organizada em 1933 pela Sociedade de Geografia de Lisboa, tendo sido louvado pelo seu brilhante desempenho. Relativamente a este evento redigiu um artigo para os Anais do Clube.

Capa do Livro - A Arte de Navegar. Capa - Anais do Clube Militar Naval - O MUSEU DE MARINHA

Em Dezembro de 1933 passa a ser encarregado de coligir os elementos para a História dos Navios da Marinha de Guerra Portuguesa. Era o reconhecimento público dos seus méritos como investigador da História da Marinha.

Entretanto os seus trabalhos sobre o Extremo-Oriente continuam a ser publicados assim como são relevantes as suas intervenções em  importantes reuniões, com destaque para a tese “A Colonização e o Problema do Oriente Português”, apresentada no 1º Congresso  de Colonização, realizado no Porto em 1934.

Em 1935 é promovido a capitão-de-fragata e regressa à Escola de Artilharia Naval, sediada na fragata “D. Fernando II e Glória“, tendo sido, como atrás citado, seu Comandante e cumulativamente Director da Escola, de Dezembro de 1937 a Abril de 38, data em que a Junta de Saúde Naval o considera incapaz para o serviço activo sendo então mandado para a situação de Reserva, mas continuando a exercer a tarefa de reunir dados para a história dos navios da Marinha.

O estudo da História e a respectiva investigação passaram a ser  as suas actividades quase exclusivas. Assim, em 1939 é nomeado, por Despacho Ministerial, para prestar serviço na Secção de História do Estado Maior Naval e nesse mesmo ano é concluído, nos Anais do Clube, o seu trabalho “A Marinha Portuguesa na Grande Guerra”, cujos vários capítulos,  que vinham a ser publicados desde 1937, descrevem a intervenção da Marinha no Continente e Ilhas, em Cabo Verde e em Moçambique, a actuação do Batalhão de Marinha em Angola, a Aviação Naval, o Transporte de Tropas e o Serviço de Comboios e para finalizar a participação da Marinha Mercante. Sublinhe-se uma sua afirmação na introdução desta obra, que revela a rigorosa metodologia utilizada na sua feitura e a ilação a que chegou:  O que mais interessa, são os factos e esses procurámos autenticá-los com o máximo escrúpulo, não nos poupando às mais fastidiosas buscas e recorrendo a informações de testemunhas presenciais. Duma forma geral, podemos concluir, do que adiante se lê, que a nossa Marinha fez face a todas as emergências da guerra, numas condições deploráveis e por vezes inacreditáveis.

Esta obra, juntamente com “Em Socorro de Timor” de 1912 e a “China” de 1936 devem ser considerados os mais importantes titulos da sua  longa bibliografia. Entretanto os seus estudos no Estado Maior Naval são variados e fundamentais para a História da Marinha nas primeiras duas décadas do século XX.

Apesar de ser essencialmente um investigador histórico é grande a abrangência dos seus conhecimentos. Assim, em 1943 para a Biblioteca Cosmos, edita “Arte de Navegar”, onde, na introdução, aborda conceitos perfeitamente actualizados sobre a Navegação como ciência e arte e define o que é um navio e a psicologia da gente de mar em termos marítimos. As questões humanísticas também constituem para Jaime do Inso uma área de reflexão e deste modo, ao perfazer os 67 anos de idade, em 1947, publica numa separata do jornal “Diário de Noticias”, um curioso artigo que intitula “ Os Genários”, dedicado aos que já dobraram o cabo dos cinquenta, os quinquagenários. Das considerações apresentadas neste muito válido estudo sociológico, destacam-se duas que nos  parecem ser de uma clara actualidade. A primeira: Existe uma diferença entre a gente moça – a que vale- e a gente sem nome – os genários – que já para nada presta e a segunda: Não é preciso ser um pensador profundo para verificar que o ritmo vertiginoso dos progressos materiais não é acompanhado, nem ao de leve pelos progressos morais. Pelo contrário, o que se observa nestes últimos é um retrocesso. E andamos nós hoje a caracterizar situações que consideramos novidades, quando as mesmas foram perfeitamente definidas há mais de meio século!

O Museu de Marinha, 1962.

O Museu de Marinha, 1962.

Também em 1947 é nomeado para dirigir a Biblioteca da Marinha e o Museu Naval, que lhe estava então agregado, cumulativamente com o serviço que desempenhava no Estado Maior Naval. Um novo percurso começa na sua carreira -  a actividade no âmbito da museologia, à qual se dedicará apaixonadamente durante as  duas ultimas décadas da sua vida.

De salientar que no período de 1950 a 1957 seria nomeado, anualmente, como vogal da Comissão de Redacção dos Anais de Marinha.

Prioritariamente escritor da Marinha dedicar-se-à também ao estudo da identidade maritíma de Lisboa, tendo publicado, na revista Olissipo “A Estética Histórica-Maritíma da Cidade de Lisboa”, em 1953, e “Nossa Senhora de Penha de França na Evocação Maritíma”, em 1964.

Importa agora descrever a sua decisiva contribuição para o desenvolvimento do Museu de Marinha e principalmente para a respectiva instalação junto ao Mosteiro dos Jerónimos. O Museu foi criado, em 1863 por D. Luis, o único rei português que comandou navios. Tendo ficado anexo à Escola Naval, sofreu ao longo dos tempos uma vida atribulada, inclusivé um incêndio, em 1916, que destruiu a maior parte de modelos navais guardados na Sala do Risco.

No final de 1947, data em que, conforme já referido, Jaime do Inso passou a prestar serviço na Biblioteca e no Museu, faleceu Henrique Monfroy de Seixas, grande entusiasta das coisas do mar, que no seu testamento legou ao Museu uma valiosíssima colecção de modelos navais com a condição da mesma ser retirada da sua residência, onde ocupava nove salas, no prazo de três meses após o seu falecimento.

Medalha comemorativa da inauguração das novas instalações - Àlvaro de Brée - 1962. Medalha comemorativa da inauguração das novas instalações - Àlvaro de Brée - 1962.

Medalha comemorativa da inauguração das novas instalações - Àlvaro de Brée - 1962.

É então que Jaime do Inso, depois de considerar várias hipóteses consegue que o Palácio do Conde de Farrobo , às Laranjeiras, fosse cedido pelo Ministério das Finanças para lá instalar provisoriamente a Colecção Seixas.

No início dos anos 50 do século passado, a Biblioteca de Marinha continuava a funcionar no antigo edifício da Escola Naval, na Rua do Arsenal. Nesse mesmo imóvel situavam-se a Secretaria e Oficinas do Museu, com bastante do seu material na antiga Sala do Risco e parte importante do seu património no Palácio das Laranjeiras. É com o propósito fundamental de concentrar num único local o acervo do Museu que, em 1956, Jaime do Inso é nomeado para estudar a sua reorganização, elaborar o respectivo regulamento e posteriormente definir o programa da sua instalação nos Jerónimos.

Apesar de ter passado à situação de Reforma, a contar de Outubro de 1950, continuava em plena efectividade de serviço e é nomeado no ano de 1959 seu Director. O resultado de todo o seu trabalho, competência e dedicação é plenamente concretizado quando, em 15 de Agosto de 1962, foi solenemente inaugurado o Museu de Marinha nas suas actuais instalações.

De sublinhar, na qualidade de Director do Museu, o seu importante contributo para a instalação do Planetário Calouste Gulbenkian, inaugurado em 1965, acerca do qual publica nos Anais do Clube “Um planetário desconhecido” .

O Presidente da República condecorou o Comandante Jaime do Inso com a Comenda do Infante D. Henrique, 1962.

O Presidente da República condecorou o Comandante Jaime do Inso com a Comenda do Infante D. Henrique, 1962.

A par do todo o seu ciclópico trabalho em prole do Museu os seus escritos, testemunhos de vivências e experiências adquiridas continuam e assim edita, também nos Anais do Clube, em 1967, o artigo “O Museu de Marinha” que como afirma encerra uma compilação de publicações que deixamos dispersas, acrescida com outros elementos e pormenores elucidativos, em forma de simples narrativa das actividades da Marinha neste capítulo, incluindo alguns episódios que, de certo modo, se relacionavam com a história do Museu.

Será esta a sua derradeira colaboração para os Anais do Clube e também o seu último trabalho escrito, já que nesse mesmo ano viria a falecer.

Até à hora da sua morte foi um distintíssimo e incansável Escritor da Marinha!

 J. L. Leiria Pinto

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