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Nº 354 JUNHO - 2002 Fotografias Antigas, Inéditas ou Curiosas Dia da Marinha - Mensagem do ALM CEMA Entrega
de Comando na STANAV- História da presença da Marinha em Timor Novo regime legal de Autoridade Marítima Fiscalização da actividade da pesca - 2001 |
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Foi a canhoneira “Pátria” que esteve presente logo a seguir à revolta de Manufai, em Dezembro de 1911. O navio permaneceu em Timor de Janeiro a Agosto de 1912 ,tendo apoiado acções terrestres com a artilharia de bordo e intervido nas mesmas com uma força de desembarque comandada pelo 2ºTenente Jaime do Inso (4). De notar que a “Pátria”, de Abril a Junho, foi comandada pelo então Capitão-tenente Gago Coutinho (5). Entretanto a Marinha caminhava assustadoramente para o zero naval e só ressurgiria com o Programa Magalhães Corrêa, cujos primeiros navios foram entregues em 1933, sendo dois avisos de 1ª classe e quatro de 2ª destinados ao serviço no Ultramar. Após a citada revolta de Manufai, a situação em Timor manteve-se relativamente calma até ao início da II Guerra Mundial no Pacífico em 1941, tendo sido durante esse período visitada, muito esporadicamente, pelas canhoneiras da Estação Naval de Macau. O primeiro navio do Programa Magalhães Corrêa a escalar Díli foi o aviso “Gonçalves Zarco” (6), de 15 de Junho a 19 de Julho de 1939 e de 24 de Março a 3 de Maio de 1941 o “Gonçalo Velho” (6) navegou em águas timorenses, tendo sido o último navio de guerra português a aportar ao território antes da invasão nipónica. Em Janeiro de 1942 o “Gonçalves Zarco” largou de Lourenço Marques comboiando o transporte de tropas “João Belo”, com o objectivo de substituir as forças australianas e holandesas que tinham, em 17 de Dezembro de 1941, desembarcado em Díli sem autorização do governo português e alegando que o território não estava suficientemente defendido, mas os japoneses, como reacção à presença das tropas aliadas invadiram Timor em 20 de Fevereiro de 1942, pelo que o “Zarco” foi desviado para Goa. |
Estação Radionaval de Dili (Comando e Central Receptora). |
DO FIM DA II GUERRA MUNDIAL AO 25 DE ABRIL Só em Setembro de 1945, após a rendição do Japão e por consequência o fim da II Guerra Mundial no Pacífico, a Marinha regressa a Timor. Nesse mesmo mês chega a Díli o “Gonçalves Zarco” (7) vindo de Lourenço Marques a escoltar o transporte de tropas “Angola” e mais tarde também, integrados nas Forças Navais de Recuperação da Soberania Portuguesa em Timor, o “Bartolomeu Dias” e o “Afonso de Albuquerque” (8). Foi a presença mais notória, desde sempre, da Marinha em Timor, tendo a mesma contribuído para o rápido restabelecimento da autoridade do governo português no território. |
As perturbações internas na China após a II Guerra Mundial com o desenvolvimento do comunismo e por consequência com reflexos em Macau e também a instabilidade nos territórios portugueses da Índia, após a independência da União Indiana em 1947, fizeram com que a presença da Marinha em Timor fosse muito escassa, chegando a ser inexistente durante um elevado número de anos - vide Quadro 1. Assim, entre 1955 e 1964 apenas o “Gonçalves Zarco” se manteve em permanência no Extremo Oriente, com base em Macau, cumprindo 7 missões em Timor (9). É curioso constatar que este navio foi aquele que esteve mais tempo fora do porto de armamento, quase 9 anos, tendo largado de Lisboa para comissão no Extremo-Oriente em 29 de Setembro de 1955 só regressou em 16 de Março de 1964. Nos princípios dos anos 60, data do início da guerra de África, obviamente o esforço da Marinha fez-se sentir prioritariamente naquele continente e Timor será novamente secundarizado. Verifica-se que desde Janeiro de 1964, data da última estadia do “Zarco”, até Outubro de 1975 com a chegada da corveta “Afonso Cerqueira” à ilha de Ataúro, apenas dois navios escalaram Díli, foram as fragatas “D. Francisco de Almeida” em 1966, a pedido do Ministro dos Negócios Estrangeiros numa missão especificamente de soberania de curta duração e em 1970 a “Comandante João Belo” (10) em trânsito para Sidney, onde representou Portugal nas comemorações do 2º centenário do desembarque do Capitão Cook na Austrália. A ausência do exercício de soberania em águas de Timor era um problema premente e para minorá-lo em 9 de Abril de 1973 chegou a Díli, a bordo de um navio mercante, a lancha de fiscalização “Tibar” (11), ex-Albufeira, que se manteve operacional até Outubro de 1975, tendo ficado atribuida ao Comando de Defesa Marítima de Timor. Efectuou esta lancha patrulhas na área visitando vários portos, inclusive o de Kupang, a capital do Timor indonésio, e constituiu o único meio que o governo local dispunha para estar ligado por via marítima, ao enclave de Oé-Cusse. Em Outubro de 1975 foi abatida como navio da Armada e em Novembro do mesmo ano perdeu-se nas costas das Filipinas, quando seguia a reboque com destino a Macau. |
DO 25 DE ABRIL À INVASÃO INDONÉSIA Entretanto a revolução de Abril de 1974 vai alterar profundamente a estabilidade social timorense que desde o fim da II Guerra Mundial se tinha mantido sem problemas de maior, apenas pequenas escaramuças surgiam, por vezes, na fronteira com o Timor indonésio, motivadas por roubos de gado sendo prontamente resolvidas com o emprego de tropas de 2ª linha e as notícias de pseudo reacções da população à autoridade local não passavam, a maioria das vezes, de simples boatos. Preocupado com a situação e na qualidade de Comandante da Defesa Marítima, cargo que em Setembro de 1973 tinha assumido, em Outubro do ano seguinte solicitei ao Estado-Maior da Armada a vinda urgente de uma unidade naval oceânica, já que a presença da mesma poderia não só garantir a soberania nas águas timorenses, que à data era, como atrás referido, muito limitada, como também constituiria um meio de dissuasão para quaisquer movimentos internos ou externos contra a autoridade do governo local. Infelizmente o meu pedido só seria satisfeito tarde de mais! Em Agosto de 1975 inúmeros factores, ainda hoje muito controversos mas que a História certamente se encarregará de esclarecer, levam ao descontrolo da situação por parte do governo local, facto que motivou a sua saída de Díli, conjuntamente com a totalidade do pessoal de Marinha (12). |
Foi na lancha “Tibar” que o governador e os seus colaboradores mais próximos se deslocaram para a ilha de Ataúro e a bordo da qual, mais tarde, escalei Kupang em missão logística e onde estabeleci contactos com o governador indonésio. Em Outubro fundeou junto da ilha de Ataúro, então o único espaço timorense sob soberania portuguesa, a corveta “Afonso de Cerqueira” (13). Uma unidade naval voltava a Timor após 5 anos de ausência. Mais tarde o governador afirmará: |
Lancha de fiscalização “Tibar”. |
Em 6 de Outubro chega finalmente a Ataúro a corveta Afonso Cerqueira, o que melhora consideravelmente a situação, por aumentar a segurança e garantir as comunicações com Lisboa, possibilitando também que se fizessem patrulhamentos, que permitiriam uma melhor avaliação do que se estava a passar. Este foi o primeiro apoio militar vindo de Portugal, após quase dois meses passados do início dos acontecimentos e cerca de um ano depois de ter sido solicitado! Lamentável que houvesse sido assim, pois se tivesse chegado mais cedo poderia ter evitado muitas das situações vividas. (14) A missão da corveta visava aspectos de segurança, comunicações e transporte ficando sob controlo operacional do governador e comandante chefe para fins humanitários, logísticos e de informações. Em Novembro fundeia no Ataúro a “João Roby” e foi aí que com a “Afonso Cerqueira” presenciou, à distância, a invasão indonésia de Díli em 7 de Dezembro, tendo os dois navios embarcado, nessa data, os militares europeus estacionados em Ataúro. Entretanto a “Afonso Cerqueira” regressa a Lisboa e em Janeiro de 1976 com a chegada da “Oliveira e Carmo” esta unidade naval conjuntamente com a “João Roby” formam a FORNAVTIMOR patrulhando as águas de Timor até Março, mês em que a força naval é dissolvida. A “João Roby” regressa à Europa e a “Oliveira e Carmo” manter-se-à nos mares de Timor até Maio, largando seguidamente para Lisboa. A História repetiu-se, a Marinha tinha como sempre acorrido em auxílio de Timor, embora tardiamente e demonstrado a enorme falta que fizera nos momentos decisivos. |
DO FIM DA OCUPAÇÃO INDONÉSIA À INDEPENDÊNCIA |
Estas unidades navais desempenharam missões logísticas e humanitárias cooperando também na reconstrução de infra-estruturas básicas no território. Entretanto a 20 de Janeiro de 2000 a INTERFET transferiu oficialmente a responsabilidade do território para a UNTAET (Administração Transitória das Nações Unidas para Timor-Leste). O território foi dividido, para efeitos de segurança em 4 sectores, com o central sob responsabilidade de Portugal, do qual uma parte, a correspondente ao distrito de Manufai, o mesmo onde em 1912 tinha eclodido uma violenta revolta, ficou atribuída à Marinha através dos seus fuzileiros (17). Assim, desde Fevereiro de 2000 até à presente data Companhias de Fuzileiros (150 homens) têm efectuado comissões de 6 meses em Timor. |
A ACÇÃO DO PESSOAL DOS SERVIÇOS DE MARINHA E DO COMANDO DA DEFESA MARÍTIMA DE TIMOR A presença da Marinha em Timor ao longo dos tempos não se concretizou apenas por intermédio das suas unidades navais e dos seus fuzileiros, também foi notável a acção do pessoal pertencente aos Serviços de Marinha e a partir de 1961 aos do Comando da Defesa Marítima.
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Acção dos fuzileiros junto da população. |
Desde 1887 que um oficial da Armada desempenhou o cargo de Capitão dos Portos de Timor e por inerência Chefe dos Serviços de Marinha, departamento que era responsável por toda a actividade marítima do território. Destaca-se neste âmbito a instrução, a formação e a gestão das guarnições pertencentes ao trem naval local (18). Também, desde 1965 ano da inauguração do porto de Díli, o Capitão dos Portos presidiu à respectiva Junta Autónoma. A partir de 1961 com a nova organização da Marinha foi criado o Comando da Defesa Marítima de Timor, cujo comandante era em acumulação o Capitão dos Portos. Em 1962 quando a Estação Rádio-Naval de Díli se tornou operacional, a mesma ficou integrada no Comando da Defesa Marítima e por ocasião dos graves acontecimentos de Agosto de 1975 foi a última voz de Portugal em Timor (19). |
Fragata “Cmte. Hermenegildo Capelo” atracada ao cais de Dili em Março de 2000. |
A EDIFICAÇÃO DA MARINHA DE TIMOR-LESTE Na Conferência de Dadores de 21 Novembro de 2000 Portugal comprometeu-se a fornecer o treino básico e edificar a Marinha timorense, acção que compreendia a cedência de 2 lanchas de fiscalização e a formação das respectivas guarnições (20), embarcações essas da ex-classe “Albatroz”, que são presentemente a “Oé-Cusse” e a “Ataúro”. Estes primeiros navios de Timor-Leste, após a intervenção da Acessoria da Marinha Portuguesa para o território, foram oficialmente integrados em Janeiro de 2002 na Componente Naval das Forças de Defesa do Território (21). |
Mais uma vez a Marinha teve uma acção de relevo em Timor, agora na sua constituição como país independente. Pode-se afirmar que a presença da Marinha foi fundamental, desde sempre, para a segurança e para a actividade marítima de Timor. As suas unidades navais desempenharam um papel decisivo na neutralização das revoltas surgidas nos fins do século XIX e princípios do XX. Após as grandes convulsões originadas pelas ocupações japonesa e indonésia, a Marinha contribuiu para o restabelecimento da autoridade e tudo leva a crer que se estivesse presente atempadamente estas ocorrências teriam tido menos probabilidades de ter acontecido. De salientar que em terra o pessoal de Marinha foi não só determinante para a sustentação de toda a actividade relacionada com o meio marítimo, como também, através da Rádio-Naval de Díli, assegurou as comunicações de Timor com o exterior. Finalmente
a Marinha, com a cedência de duas das suas lanchas e a formação das
respectivas guarnições, iniciou a construção da Marinha do primeiro país do
século XXI. José
Luís Leiria Pinto |
RELAÇÃO
DOS CAPITÃES DOS PORTOS DE TIMOR |
Capitão-tenente César Gomes Barbosa 1ºTenente António Cunha Aragão 2ºTenente Leão Maria Tavares Rosado do Sacramento Monteiro 1ºTenente José Maria Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa 1ºTenente Pedro Manuel de Arriaga Casqueiro de Sampaio Capitão-tenente António Sérgio de Pereira Cardoso Capitão-tenente Abel de Azevedo Mafra Capitão-tenente Ângelo de Melo Menezes e Castro Barbeitos Capitão-tenente Aurélio Fernandes de Castro e Silva Junqueira Capitão-tenente Jorge Teles de Faria Correia Bastos Capitão-tenente Afonso Telo Marques Carneiro Capitão-tenente Manuel Arsénio Velho Pacheco de Medeiros Capitão-tenente José Luís Ferreira Leiria Pinto |
15MAR1940
22JUN1946 18NOV1950 30MAR1955 09JUN1957 25OUT1959 15NOV1961 29NOV1963 04DEZ1965 06DEZ1967 29NOV1969 14DEZ1971 29SET1973 |
Notas (1) “Timor e as suas curiosidades”, Anais do Clube Militar Naval (ACMN) de 1972 “ Manufuto, o pecadilho do Timorense”, Revista da Armada (R.A.), nº 20 Mai 1973 “ Timor Terra Mártir”, R.A., nº 240 Fev 1992 “ Timor. A lenda, a terra e as suas gentes”, R.A., nº 326 Dez 1999 (2) ESPARTEIRO, António Marques, “ A canhoneira Diu e a guerra de Timor”, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1951. (3) “Os Últimos navios do Império”, R.A, nº 326 Dez 1999 (4) INSO, Jaime do, “ Em Socorro de Timor”, ACMN, nº de 1912 e 1913. “A Pátria em Timor”, R.A., nº 241 Mar 1992 (5) “ Recordando Timor”, ACMN de 1965 (6) “ Os avisos de 2ª classe Gonçalo Velho e Gonçalves Zarco”, R.A., nº 223 e 224 de Jun e Jul 1990 (7) “ Timor, alfa e ómega”, R.A., nº 228 Jan 1991 (8) “ Os avisos de 1ª classe Afonso de Albuquerque e Bartolomeu Dias”, R.A., nº 220 Abr 1990 (9) MATOS, Pedro Fragoso de, “ Cartas de um Comandante no Extremo-Oriente”, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1987. (10) “Os aplausos a D. Aleixo”, R.A., nº 162 Mar 1985. (11) “ A lancha Tibar”, R.A., nº 19 Abr 1973. (12) “ Dos últimos marujos portugueses nos mares do Sul”, R.A., nº 66 Mar 1976. (13) “ Circum-navegação 75-76 (Viagem do NRP Afonso Cerqueira)”, ACMN de 1977. (14) PIRES, Mário Lemos. “ Descolonização de Timor. Missão Impossível?”, Lisboa, Círculo de Leitores/ Publicações D. Quixote, 1991, p301. (15) “ A Fragata Vasco da Gama em Timor-Leste”, R.A., nº 327, 328, e 333 de Jan, Fev e Abr 2000. (16) “ Crónica de Timor”, R.A., nº 330, 331, 333, 334, 335 e 336 de Abr, Mai, Jul, Ago, Set/Out e Nov 2000. (17) “ Crónicas de Timor”, R.A., nº 338, 339, 340, 341, 344 e 346 de Jan, Fev, Mar, Abr, Jul, Set/Out 2001. (18) “O afundamento do navio Arbiru” R.A., nº 22 Jul 1973 “ Por mares do Extremo-Oriente” R.A.,nº 64 Jan 1977. (19) FONSECA, Moura de. “ As Comunicações Navais e a TSF na Armada”, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1988. (20) “ Uma Marinha para Timor”, R.A., nº 345 Ago 2001. “ Timor a caminho da independência”, R.A., nº 351 Nov2001. (21) “Os primeiros navios de Timor-Leste”, R.A., nº 351 Mar 2002. |
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